sábado, 17 de agosto de 2013

Rede, rede, velha rede.

E ele está lá comigo. Junto comigo, naquela rede velha que os pais deles guardam há um tempo. Aquela rede. E ele está falando, eu não estou ouvindo, isto é, seus lábios se locomovem, seu olhar voa, e ele está falando, eu só não estou lhe escutando. Então ele para, e me olha, os seus olhos amendoados, um tanto quanto puxados, aqueles olhos, estavam me fitando, aquilo era uma pausa, uma breve pausa. "Lia, os Beatles, os Beatles são ótimos, mas eu acho que no começo, toda aquela coisa bobinha, por exemplo, "Twist and shout", não se compara a um "Lucy in the Sky with Diamonts". Eu o fitei. Estaria ele esperando uma resposta ? "Ah, eu gosto de "Twist and shout", e sobre aquele negócio dos Rolling Stones versos Beatles, eu acho que ambos são bons" Ele continuou a falar, e eu voltei para o meu transe. Eu gostava de ouvir a voz dele, era segura, apesar de desafinada. E então pensei. Eu poderia ficar naquela rede mais um tempo o ouvindo. Afinal meu melhor amigo, meu primeiro porto seguro.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Taxa

(Enviada para o Pedro) Ela era negra, com olhos completamente nefastos. Quando eu era pequena eu sempre os olhava, eu vivia os olhando. Hoje eu penso que, se talvez olhasse um pouco mais fundo, ou só por um pouco mais de tempo, me perderia na mente daquela Labradora. Eu não me lembro de quando ela chegou, eu era bem pequena. Sempre achei o seu nome um tanto quanto estranho: Taxa. Taxa, para mim, eram aqueles alfinetes pontudos que se colocam em murais. Que se penduram fotos, que se pregam lembranças... Eu poderia associar alfinetes a Taxa, porque apesar de ser uma cadela, aproximava muitas coisas para perto de si. Eu sou um exemplo disso. Ela nasceu no mesmo dia que eu: 2 de agosto. Por isso, em todo o meu aniversário, depois do bolo, eu fazia questão cantar parabéns também para Taxa, que para meu grande desapontamento, não entendia nada. Essa Labradora ganhou vários apelidos ao longo dos anos. Alguns, eu prefiro não citar. Mas de todos um reinava soberano: Boi. Chamávamos ela assim por causa do seu tamanho, que se expandia para o lado e para frente. Não que isso fosse mal, afinal, nunca tinha dado nenhuma complicação. Uma coisa engraçada é que ela não latia. Não que fosse muda ou tivesse algum problema, nós que a ensinamos. Isso aconteceu devido a minha grande sensibilidade a latidos de cachorro, quem me conhece bem sabe, que se algum cachorro latir perto de mim, a primeira coisa que eu farei, é tapar os ouvidos. De vez em quando, quando tocavam a campainha da sala, por exemplo, ela soltava um som que ecoava pelos meus ouvidos, e fazia com que eu ficasse completamente inquieta. Mas quando eu dizia "Taxa, não lata, você sabe que eu não gosto" ela me olhava, e cessava seu latidos um tanto quanto roucos. Eu sei que ela poderia muito bem sair latindo, que algum dia ela poderia não aguentar mais, que ela poderia ter uma vontade louca de latir e não se segurar, só que isso não aconteceu. Ela sabia latir, mas apenas não o fazia. Foi então que em 2011, veja bem, ela tinha doze anos, Taxa pegou uma infecção no fígado que se espalhou pelos rins, e aos poucos, para o seu corpo todo. A última vez que eu vi a Taxa, foi em casa. Nós dois, eu e meu pai, demos banho nela. Aah, como ela amava banho! Depois, eu peguei um secador velho, a deitei no tapete na sala, e ficamos lá, eu e ela, até ela adormecer. E ela adormeceu.

domingo, 17 de março de 2013

O cara da camisa

(enviada para o Pedro) Eu vou para a escola a pé, e na grande maioria das vezes, sozinha. Não sei como, mas quase todo dia eu esbarro com o mesmo cara. Óculos quadrados, aros quase invisíveis, cabelos enrolado, castanho, jeito engraçado de andar, vez por outra, com fones de ouvido. A primeira vez que o vi, quase o parei, em plena Baronesa de Itu, para lhe dizer o quanto gostava da sua camisa. Preta, mas com o símbolo do Red Hot Chilli Peppers.Eu não sou fã, nunca fui, mas naquelas semanas eu andava ouvindo bastante. Eu parei, olhei, pensei, pensei de novo e decidi que não, isso não é coisa que faça e continuei meu caminho. Eu vejo esse cara sempre. Ele olha pra mim, eu olho pra ele. Eu acho que ele deve pensar "Olha, a garota dos óculos estranhos!", e enquanto ele pensa isso eu digo pra mim mesma, "Que coincidência! O cara da camisa !" Eu me pergunto qual será o nome do sujeito, a idade, onde trabalha, se estuda ou não, onde mora, que pretende fazer da vida, o que queria ser quando crescesse,que número calça... Mas isso iria ser completamente estranho, não acha? Bem, nesses dias eu não ando o vendo por ai... De repente ele foi morar em outra cidade, estado, país, talvez ele tenha ido fazer doutorado na Austrália, onde ficam os cangurus, talvez ele seja veterinário, ou simplesmente goste do jeito engraçado deles de andar, sei lá... Talvez algum dia eu esbarre com ele por ai...

sexta-feira, 1 de março de 2013

Cachorro

E lá estava eu, em um sábado á tarde, voltando do mercado. Peguei o elevador, e já dentro do elevador, ouvi um som, um choro. Mas não choro de gente, choro de cachorro. Seria um cachorro do prédio ? De que andar ? Talvez o poodle da síndica, do oitavo. Ou não. Aquela cadela era muito pomposa, filhinha de madame para estar chorando. O cachorro que chorava parecia estar realmente triste, realmente melancólico. Como o fantasma da ópera que vaga, sem rumo. Poderia ser daquele senhor do segundo andar, aquele que vive e fala sozinho. Ou da moça do quarto, aquela que nunca está em casa, aquela que sempre está trabalhando, podia ser. E ainda tem a famíla do primeiro, composta por uma mãe, um pai, e dois filhinhos com idade de cinco e oito anos. Aquela família, que parece nunca brigar, que até parece a família perfeita. Realmente poderia, mas vou pra casa que o elevador parou no meu andar, e a minha mãe precisa fazer almoço.